Friday, November 25, 2011

Para recordar John Lennon


Yoko Ono recorda John Lennon em entrevista. Este texto foi publicado na edição de 9 de Outubro do DN Gente com o título 'Unidos Por um Prego Imaginário'. A data da publicação assinalava aquele que seria o 70º aniversário do músico e o lançamento de uma série de reedições, com som remasterizado, da sua obra a solo.


O que faria hoje John Lennon se ainda fosse vivo? 70 anos, certamente, como de resto manda o calendário de quem nasceu a 9 de Outubro de 1940 (num hospital de Liverpool). E, musicalmente? "Ele teria avançado rumo aos computadores", responde sem hesitar Yoko Ono, a viúva com quem o DN falou há algumas semanas num hotel no centro de Londres, onde apresentou não apenas a série de antologias e reedições de títulos da obra de Lennon que acabam de ser editadas, como partilhou memórias da sua vida a dois com um dos ícones maiores da história da música.

Conheceram-se ainda os Beatles viviam os seus melhores dias. "Foi uma hora antes da inauguração de uma exposição minha" em Londres, recorda Yoko Ono. "Tínhamos acabado de montar tudo e disse ao dono da galeria para não deixar entrar ninguém antes da inauguração. Mas ele apareceu-me com um tipo ao lado dele. Se calhar era um amigo próximo dele e não deveria dizer nada... Entraram, desceram à cave..." Decidiu segui-los e desceu também as escadas. "Estava a uns dois metros e o dono da galeria viu que eu ali estava e disse para o John: 'Olha, esta é a artista.'" O galerista não lhe disse então o nome do convidado... "Nem o faria, porque era um Beatle", reconhece Yoko. "Mas não reparei, mesmo que ele tivesse dito John Lennon", confessa. E então falaram pela primeira vez: "O John perguntou-me se poderia pregar um prego... E eu disse que, se pagasse cinco xelins, poderia. E isso era o que eu tinha pensado na noite anterior. Ninguém iria comprar o meu trabalho, assim tinha de encontrar uma forma de me ajustar financeiramente. E pensei que poderia cobrar sempre que alguém fizesse algo. Cinco xelins... Ele então respondeu se poderia pregar um prego imaginário... E pensei, este tipo está a jogar o meu jogo... A verdade é que ele não tinha dinheiro nenhum com ele", revela. Yoko reconhece que, na altura, estava longe de conhecer bem os Beatles. "Conhecia o nome Ringo, porque quer dizer maçã em japonês. Tinha lido algo sobre os Beatles num jornal quando ainda estava no Japão. Eram uns tipos com uns penteados estranhos e muito populares. Mais nada..."

Não muito tempo depois, Yoko era presença inse-parável ao lado de John, inclusivamente entre os restantes elementos dos Beatles. Contudo, e mesmo depois de terminadas as gravações de Abbey Road, no Verão de 1969, não pensava que o fim da banda seria inevitável tão pouco tempo depois. "Não pensei que fossem acabar. Pensei que continuariam... Talvez na sua mente ele pensasse que gostaria de se tornar mais livre", comenta.


Na verdade, John Lennon iniciou uma carreira a solo ainda os Beatles editavam discos. Mas desde logo ficava clara a expressão de uma personalidade mais política que o que alguma vez havia mostrado entre os fab four. "No momento em que ele se afirmou como um indivíduo, como um autor de canções, achou que seria correcto expressar-se à sua maneira e como o desejaria fazer. Nos Beatles ele tinha de ter em conta os outros. E acho que ele teve razão em fazer as coisas como fez", explica. Hinos como Give Peace a Chance ou Xappy Xmas (War Is Over) são apenas alguns exemplos da manifestação de um espírito político cuja acção chegou inclusivamente a incomodar a administração Nixon em inícios dos anos 70. "Toda a gente o conhecia. Eu tinha ali um papel secundário. Mas penso que o facto de ele ter surgido daquela forma os terá tocado", confirma a artista.

A paz mundial estava na agenda do casal. E entre as manifestações que criaram para a tentar promover, contam-se os famosos bed-ins, nos quais John e Yoko, deitados nas suas camas de hotel, abriram as portas dos quartos, deixando entrar os jornalistas. Perante a ideia, certamente houve quem esperasse escândalo... "Ui, ficaram tão desapontados! ", graceja hoje Yoko Ono. "Acho que as pessoas se riram. Não esperávamos que se rissem", comenta. "Pensámos que sempre que fizéssemos algo em favor da paz mundial, tudo estaria diferente num ano. Que haveria paz dentro de um ano... E isso nunca aconteceu. Mas hoje sinto que 99 por cento das pessoas no mundo desejam a paz. E o um por cento que fica de fora está apenas a ser malandro. É preciso que se compreenda que somos um vastíssimo grupo de pessoas que o desejamos", alerta quase em forma de apelo. Mas, "como John o disse em tempos, esta não é a época para apenas um herói. Não posso apontar uma pessoa apenas que carregue o fardo deste incrivelmente complexo mundo. Ou seja, todos teremos de fazer qualquer coisa".

No momento em que passam 70 anos sobre o nascimento do músico (e no mesmo ano em que se assinalarão os 30 anos da sua morte), como acha Yoko que ele gostaria de ser recordado. O cantautor? O promotor da paz no mundo? O working class hero (herói da classe trabalhadora), como ele mesmo cantou? "Era tudo o que ele era, sim... Mas ele não pensava em nada disso quando trabalhava. Ele tinha apenas 40 anos", sublinha.


Nos últimos meses, a artista acompanhou pessoalmente a preparação de uma série de lançamentos que agora assinalam a data. "Estes são os 70 anos, a próxima data a assinalar deverão ser os 80" e, acrescenta, espera "ainda estar por cá". Mas sublinha que "este é o momento para fazer tudo isto pelo trabalho do John". Uma das razões pelas quais enfrentou este desafio foi mesmo "o facto de acreditar que o poder do seu espírito, a sua energia, ser algo de que precisamos agora". Yoko lembra que "as novas gerações, mas também nós, vivemos num clima de medo. E isso decorre do facto de tantas tragédias que aconteceram. Mas temos uma energia que podemos usar para mudar o mundo. E para isso o John é muito bom. Disse Gimmie Some Truth". É, explica, uma pequena observação "que traduz aquilo de que precisamos mais nestes tempos". A verdade é, diz ainda Yoko Ono, "um soro muito importante na vida. E está em falta. O John cantou sobre muitas coisas. Atreveu-se a dizer certas coisas... Arriscando mesmo a sua própria vida, de certa forma". De resto, Yoko Ono acredita que "ele teria sobrevivido se tivesse feito apenas canções bonitas. A sua atitude sobre outros assuntos fez com que algumas pessoas se irritassem".

A morte de Lennon, essa não a consegue explicar. Nem mesmo quando se lhe pergunta se leu o livro Agulha no Palheiro, de J. D. Salinger, que terá inspirado o assassino Mark Chapman, em busca de uma qualquer possível justificação. "Não faço ideia... Há pessoas que enlouquecem e matam a sua própria família... E sem razão, muitas vezes. Há muita loucura no mundo", remata.

Durante anos, Yoko Ono foi muitas vezes acusada de ter feito toda uma vida na sombra de Lennon. "Acusada de viver à sombra de um génio?", questiona. E responde: "Uma das razões pelas quais não acredito que assim seja é o facto de ter tido sempre confiança no meu trabalho. Mas havia ali uma árvore bela e uma sombra que me protegeu, e isso fez-me sentir bem."

Monday, November 21, 2011

Renato Seabra, escravo mediático


A - Este é um mero exemplo (infelizmente, muito longe de ser único) do mundo mediático em que vivemos — um mundo em que a identidade de um ser humano pode ser sujeita a uma banalização que, noutros tempos, ligaríamos ao simplismo da "literatura de cordel", mas que hoje em dia é indissociável do triunfo global do imaginário moralista das telenovelas.

B - Repare-se: estas observações não pretendem escamotear a gravidade das acusações pela qual Renato Seabra terá que responder, nem esquecer a complexidade afectiva de uma história pessoal que apenas podemos intuir. Nada disso: o que aqui se discute é a obscenidade de um universo de "informação" e "jornalismo" que tende a escolher metodicamente os seus escravos simbólicos para, com eles, produzir discursos sobre a existência humana que desafiam o direito à privacidade e, mais do que isso, o direito a ser tratado com dignidade (inclusive quando se é suspeito ou culpado de um crime).

C - Daí que volte a ser pertinente chamar a atenção para o facto de a maioria dos nossos políticos darem mostras de uma militante indiferença (será patética ignorância?) face às especificidades da sociedade mediática em que vivemos: neste mundo saturado de ilusões de oportunidades para dizermos “eu” e proclamarmos a nossa “individualidade”, tornou-se cada vez mais problemático fazer passar o valor mais clássico, e também mais visceral, da política: Nós [1 + 2]. Fazer política é algo mais do que corrigir os desmandos da economia — é também defender o factor humano.

Thursday, November 17, 2011

Números (para dançar)

Discografia Kraftwerk - 23
'Numbers' (single), 1981



Editado em alguns territórios apenas para efeitos promocionais, em outros lançado como single destinado ao circuito comercial, Numbers representou mais uma chamada de atenção, a 45 rotações, para o alinhamento do álbum Computer Love, de 1981. A canção (que ainda hoje mora no alinhamento dos concertos do grupo) não corresponde aos modelos mais próximos da canção pop, propondo antes uma relação mais directa com uma nova ideia de música de dança electrónica. Como lado B as várias edições apresentaram versões de Computer Love.

Saturday, November 12, 2011

Três olhares por Berlim (5)


Três imagens em volta dos enormes tubos de espelhos que permitem a iluminação natural ao átrio principal da estação ferroviária nos subterrâneos de Potsdamer Platz.

Monday, November 7, 2011

Para ouvir em 2011: Anna Calvi


Com álbum de estreia a caminho (a editar brevemente pela Domino Records), Anna Calvi é uma das estreantes de quem mais se fala para 2011. Parte de uma afinidade com os espaços de uma PJ Harvey, mas expande os seus caminhos a uma multidão outras referências. Minimalista nos recursos, dotada de uma voz de rara teatralidade, apresenta-se para já ao som desta versão de Jezebel.

Friday, November 4, 2011

"Playtime" em 70 mm


Não é exactamente uma novidade... em boa verdade, tem mais de 40 anos. Mas é um evento de tal modo raro que merece ser assinalado, mesmo acontecendo do outro lado do Atlântico: em Nova Iorque, o Museum of the Moving Image vai voltar a exibir Playtime (1967), de Jacques Tati, numa cópia de 70 mm — o formato, muito utilizado nas superproduções dos anos 60, caíu praticamente em desuso. Curiosamente, a Criterion Collection, editora americana do filme em DVD, surge associada a essa exibição, a provar, afinal, como hoje em dia se reabrem as mais inesperadas hipóteses de articulação entre salas escuras e suportes "alternativos". A passagem de Playtime integra-se no programa de reabertura ao público daquela instituição e, mais concretamente, na inauguração de uma nova sala equipada com projecção digital e 3D.