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Monday, July 2, 2012
No regresso de Gustavo Dudamel (parte 2)
N.G.: E, ao segundo dia, algo completamente diferente. Depois de uma noite vivida entre a música de Adams, Bernstein e Beethoven, que assinalou a estreia da presente primeira digressão internacional da Los Angeles Philramonic com Gustavo Dudamel (o seu director musical desde Outubro de 2009), o segundo concerto no Grande Auditório da Fundação Gulbenkian propôs a Sinfonia Nº 9 de Gustav Mahler, naquela que foi a primeira vez que a orquestra e maestro a apresentaram fora do Walt Disney Concert Hall, a sua “casa” (onde, acrescente-se, a interpretaram já este ano).
Obra sinfónica de proporções monumentais, composta num período de pesadas sombras na vida de Mahler [retrato], a Sinfonia Nº 9 reflecte contudo um sentido de esperança (de resto não alheio a outras reflexões anteriores do compositor). Gustavo Dudamel deixou claro uma vez mais porque vive hoje o estatuto que o trabalho nos anos mais recentes lhe proporcionou. Sem evitar nunca o seu modo muito físico de respirar os momentos que dirige, comunicando permanentemente aos músicos essa sua reconhecida vontade de neles encontrar a mais profunda e viva expressão das suas energias, Dudamel mergulhou na música de Mahler ora libertando as cores da carga bucólica do segundo andamento ou as atmosferas mais elaboradas das paisagens urbanas que visita no terceiro, encontrando depois expressões mais profundas da melancolia que domina os primeiro e quarto andamentos, a longa pausa que se seguiu à última nota (sinal da inequívoca comunhão que se viveu entre uma plateia completamente cheia e os músicos em palco) garantindo a todos, depois de tão intensa experiência, o tempo necessário para o regresso ao aqui e ao agora.
Desta vez não houve encores (na véspera foram dois), mas os aplausos em pé uma vez mais agradeceram devidamente a Dudamel (e desta vez à LA Philharmonic). Hoje mesmo actuam em Madrid. Ainda esta semana estarão em Colónia e Londres. Pouco depois Paris, Budapeste e Viena, terminando esta intensa série a 5 de Fevereiro.
Entretanto vale a pena ir acompanhando a digressão da LA Philharmonic através do blogue oficial da orquestra. Da passagem por Lisboa há referências, ainda sob o natural efeito da diferença horária, a passeios pelas ruas da cidade, uma visita ao Castelo de S. Jorge, bacalhau e, claro, os ensaios e concertos.
J.L.: Em 1909, quando Gustav Mahler concluiu a sua nona sinfonia, vivia-se um tempo de muitas imaginações, técnicas e humanas, poéticas e trágicas, em que todas as narrativas se agitavam, fascinadas pela vertigem que imaginavam para o mundo — ou que o mundo lhes fazia imaginar.
Nesse mesmo ano, por exemplo, Marcel Proust [retrato] começava a escrever À Procura do Tempo Perdido (cuja publicação se iniciaria em 1913, cerca de dois anos passados sobre a morte de Mahler). No cinema, pioneiros como David W. Griffith mostravam que o filme podia ter uma linguagem própria, muito para além da "imitação" do teatro (The Lonedale Operator, célebre pelo uso pioneiro do grande plano é de 1911, ano da morte de Mahler). Enfim, em 1913, Sigmund Freud publica Totem e Tabu.
A sinfonia mahleriana, habitada ou não pela "maldição da nona" (que ele próprio temia), é uma peça fulcral desse turbilhão de histórias que abrem para novas formas, porventura para a própria interrogação da noção de forma. Escutá-la pela Los Angeles Philarmonic, sob a direcção de Gustavo Dudamel, é também pressentir, ou melhor, revisitar as convulsões de um tempo em que, mesmo face à iminência da morte, tudo parecia ainda possível. Perguntamo-nos, aliás, se Mahler ainda organiza os seus andamentos a partir de temas (e variações) ou se cada andamento não passa a existir como uma demanda, simultaneamente musical e filosófica, de um tema que talvez não chegue a adquirir forma definitiva. Nessa perspectiva, Mahler estaria muito à frente do seu tempo, num lugar onde a própria medida do tempo merece ser discutida e reavalida. Dudamel é um dos seus mais extraordinários compagnons de route.
Sunday, January 22, 2012
Sigmund Freud não fez greve
PIERRE BONNARD
Dois Cães numa Rua Deserta
c. 1894
É bem verdade que o imaginário tele-futebolístico contaminou todas as áreas do viver social. Assim, sempre que se referem resultados de jogos, emerge como uma espécie de castigo divino a noção de que os números são "justos" ou "injustos"... Coitadas das equipas que passam 89 minutos fechadas na sua área, mantendo a baliza inviolável, e conseguem um golito milagroso aos 90: estão fora da lei porque, dizem quase todos os comentadores, protagonizam uma injustiça!
Não admira que a greve seja tratada da mesma maneira: de todas as áreas políticas, os actores sociais assumem-se como vencedores de um mero processo de quantificações. O que pressupõe uma forma trágica de esvaziar qualquer confronto político: imagina-se a transformação social a partir de uma guerra pueril em que cada um acena, heroicamente, com a milagrosa justiça do seu número — "O meu é maior que o teu!" (Freud explica).
Entretanto, desenha-se a hipótese de um confronto militar entre as duas Coreias, capaz de fazer explodir o planeta... Ainda bem: eis uma boa nota de rodapé, para depois do apocalipse benfiquista.
Wednesday, October 26, 2011
Século XXI — ser ou não ser (1/2)
De uma representação de Hamlet, pela Saratoga Shakespeare Company
Na sua edição de 5 de Dezembro, a revista "Notícias Magazine", do Diário de Notícias, foi dedicada às ideias que dominaram a primeira década do século XXI, organizadas a partir de nove temas: Ambiente / Crise / Redes Sociais / Mulher / Justiça / Eu / Terrorismo / Genoma — esta é a primeira parte do texto que escrevi, para ilustrar o tema "Eu", com o título 'Depois do apocalipse'.
A 15 de Maio de 1871, numa célebre carta ao seu amigo Paul Demeny, o francês Arthur Rimbaud condensou a sua solidão criativa numa expressão que se transformaria numa espécie de lema existencial para o homem do século XX: “Eu é um outro.”
De que falava, afinal, o poeta? Celebrando a necessidade de lidar com “todas as formas de amor, de sofrimento, de loucura”, Rimbaud atribuía ao poeta (“Poeta”) um radical programa de sofrimento: “Inefável tortura em que ele tem necessidade de toda a fé, de toda a força sobre-humana, em que entre todos se transforma no grande doente, no grande criminoso, no grande maldito — e no supremo Sábio.”
No século XXI, já não há poetas malditos. Nem solidões radicais. Mas temos o Facebook e a sua estonteante glória: mais de 500 milhões de pessoas inscritas numa rede de “amigos” (espantosa banalização de uma palavra que já teve o valor sagrado de uma raridade) que lhes garante que o seu “eu” está sempre em ligação com algum “outro”.
Na página de entrada do Facebook , um austero mapa do mundo, habitado por uma série de rudimentares figurinhas humanas, sugere infinitas ligações entre as suas personagens. Qual a distância entre o estudante universitário de Harvard, fechado no quarto, e o pastor errante na imensidão das planícies da Mongólia? Entre o esquimó recolhido no seu iglô e o africano à procura do último santuário dos elefantes? Nenhuma… Click! E estamos do outro lado do planeta! Ou, pelo menos, protagonizamos a ilusão de viajar num mapa virtual.
Acabou-se, assim, a angústia do “ser ou não ser” do Príncipe da Dinamarca: o outro é, agora, apenas uma variante electrónica do meu eu. Entrámos na idade do narcisismo sem culpa. E se alguém evocar as lições cruéis de Sigmund Freud (ele que trabalhou a difícil herança de Rimbaud, enfrentando os medos e fantasmas do nosso século XX), corre o risco de passar por estúpido e pretensioso. Ou apenas de cometer o pecado de estar offline. Nas auto-estradas da informação, Shakespeare [imagem] viu-se coagido a mudar de emprego: estar ou não estar online, eis a questão.
Não admira que, socialmente, nos ofereçam todos os dias os mais variados privilégios desse “abre-te Sésamo!” contemporâneo que é a personalização. Tudo, mas mesmo tudo, passou a ser personalizado: os gadgets do automóvel, o desenho da mobília, as compras do supermercado... O telemóvel, essa pedra preciosa da comunicação, instalou-se no nosso quotidiano como o objecto supremo da personalização. E tanto mais quanto, todos os dias, alguma marca nos lança à cara mais uma promoção que garante mais possibilidades de ligação por melhor preço.
A tragédia íntima do nosso viver futurista desenha-se aí: somos educados apenas para desejar cada vez mais circuitos de informação, mas já quase não se pensa que informação circula e, sobretudo, o que fazemos com ela. O adolescente online faz mesmo gala em coleccionar mais faixas de música do que aquelas que a sua existência mortal alguma vez lhe permitirá escutar. Isto para já não falarmos do facto de os ruídos das linguagens dominantes (a começar pela publicidade televisiva) nos terem feito esquecer que saber escutar é uma arte eminentemente humana, sem a qual nenhuma partilha é possível.
[continua]
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