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Wednesday, December 26, 2012

O invisível segundo Clint Eastwood


Com Outra Vida/Hereafter, Clint Eastwood — o nome de Steven Spielberg surge enquanto produtor executivo — move-se nas paisagens enigmáticas de tudo aquilo que transcende as próprias imagens — este texto foi publicado no Diário de Notícias (20 de Janeiro), com o título 'O cinema mostra o que não se vê'.

Afinal de contas, vivemos num mundo com programas de televisão protagonizados por figuras que “comunicam” com o além e “falam” com os mortos... É um mundo em que tais agressões à dignidade humana (de vivos e mortos) existem sem que quase ninguém, nem da televisão nem da política, ainda menos da educação, levante a voz para chamar as coisas pelo nome e denunciar a impostura social e emocional.
É nesse mundo, e para esse mundo, que Clint Eastwood faz um filme como Outra Vida, tendo como base um extraordinário argumento de Peter Morgan (que escreveu, por exemplo, Frost/Nixon). Seguindo três personagens que pressentem algo que transcende o quotidiano, Outra Vida liga-os a experiências impossíveis de dizer, não acessíveis às imagens. Daí o desafio imenso: trata-se de usar o cinema, lendário instrumento do visível, para lidar com o invisível. Como mostrar o que não se vê? Começando por recusar o gratuito dos talk shows que vendem “transcendência” como pastilha elástica. A questão central será, então: como é que um ser humano se relaciona com outro ser humano?
Outra Vida não é um filme religioso, não procura a lógica ou a caução de uma qualquer religião instituída. É, isso sim, um filme sobre o sagrado, entendido como essa intensidade que começamos por sentir, não nos desígnios de qualquer divindade, mas nas alegrias e dores do nosso corpo.
No contexto de um cinema americano por vezes vencido pela “religião” da tecnologia, Clint Eastwood, na senda de clássicos como John Ford, reafirma as singularidades de um olhar enraizado numa militante crença nos poderes do factor humano. E para que não simplifiquemos tudo em clichés, convém acrescentar que a cena do tsunami com que o filme abre resulta dos mais espantosos efeitos especiais que, em muitos anos, foram produzidos em Hollywood.

Wednesday, September 19, 2012

Steven Spielberg: que fazer com o 3D?


Com a estreia de As Viagens de Gulliver, torna-se ainda mais evidente o impasse criativo (e comercial, hélas!) que ameaça a vaga de cinema a três dimensões: a vitalidade dos projectos parece cada vez mais condicionada por um entendimento do 3D apenas ligado ao marketing e respectivas estratégias.
Daí que se aguardem com expectativa as propostas que, nesse campo, surgirão de cineastas como Martin Scorsese e Steven Spielberg: o primeiro através de The Adventures of Hugo Cabret, filme em rodagem em Londres; o segundo com The Adventures of Tintin: The Secret of the Unicorn, em fase de pós-produção, título de abertura de uma trilogia coproduzida com Peter Jackson (Jackson realizará a segunda parte, prevendo-se a hipótese de Spielberg e Jackson co-dirigirem a terceira) — ambos com estreia marcada para o próximo mês de Dezembro.
Divulgadas as primeiras imagens do novo Tintin, todas as especulações são possíveis. Registe-se, em todo o caso, que se trata de aplicar o processo de motion capture, que esteve na base dos projectos de Robert Zemeckis Polar Express (2004), Beowulf (2007) e Um Conto de Natal (2009), começando com actores para chegar a personagens digitais. Daí a ambígua sensação de materialidade que os fotogramas sugerem, dir-se-ia a meio caminho entre o desenho animado e a imagem de raiz fotográfica. Resta ver e avaliar com os óculos do 3D.

Thursday, January 26, 2012

Um mundo com WikiLeaks (4)

JAWS / Tubarão (1975)

[1] [2] [3]

* 1975. Em 1975, quem defendesse o filme Tubarão, de Steven Spielberg, era acusado de cumplicidade com o “imperialismo americano”. Assim mesmo, literalmente: o mundo das ideias só podia existir como uma paisagem dicotómica e a simples sugestão de que era possível lidar com a especificidade cinematográfica, os gestos da política e os mecanismos da economia sem rasurar as respectivas diferenças e nuances só podia ser recebida como um reforço mais dos vícios “imperialistas”. Curiosamente, os mesmos discursos que denunciavam tais crimes emudeceram em 1993, quando o mesmo Spielberg apresentou um filme chamado A Lista de Schindler (mantendo, entretanto, o seu militante silêncio). Mais do que isso: hoje em dia, finais de 2010, quando o domínio americano sobre os mercados do cinema é mais avassalador do que nunca (e também mais agressivo para as cinematografias nacionais), ninguém diz uma palavra sobre Hollywood — a começar pelos extraordinários filmes que alguns dos seus criadores continuam a fazer.

* 2010. Muito coisa mudou. Mas o menosprezo pela inteligência de cada um tem mais poder do que nunca. Assim, está instalado um novo maniqueísmo, inevitavelmente secundado pela brutalidade “argumen-tativa” que impera na blogosfera: qualquer dúvida que seja colocada sobre o pensamento que induz as práticas do WikiLeaks — e, consequentemente, sobre a relação do espaço jornalístico com essas práticas — surge, algures, imediatamente conotada com um qualquer crime sem apelo: protecção do mesmo “imperialismo americano”; cedência a todos os valores totalitários herdados do século XXI; e, claro, em Portugal, pensamento vergonhosamente “vendido” (fiquemo-nos pelos eufemismos mais simpáticos) ao governo de José Sócrates.

* Inanidade. Há nisto tudo uma inanidade que ameaça tomar conta das nossas relações humanas — é a que nos obriga a pôr de parte a nossa capacidade de pensar a complexidade do mundo contemporâneo (com os muitos erros que isso pode implicar), para nos condenarmos a escolher apenas um lugar fixo e imutável num mapa de conflitos sempre maniqueístas, sempre vingadores e vingativos.

* Século XXI. Aquilo com que tal inanidade não aceita lidar é a dificuldade imensa — e muito humana — de sabermos o que fazer face às convulsões que, todos os dias, invadem o nosso quotidiano a partir dos telejornais, da imprensa, da Internet. Dito de outro modo: haverá quem pense que vivemos como escravos dos EUA; haverá quem veja naqueles que contradizem o seu modo de pensar a encarnação de um mal radical, insuportável na figura imaginada do outro; haverá quem considere que não há nenhuma diferença entre José Sócrates e um ditador sanguinário — haverá quem pense, democraticamente, tudo isso, mas nada isso configura uma boa razão para que tratemos o WikiLeaks como uma espécie de maná divino que somos obrigados a aceitar como um dado “natural” e inquestionável deste final da primeira década do século XXI.

* Conflito vs. confronto. Muitos discursos mediáticos contribuem, de forma mais ou menos (in)consciente e (in)voluntária, para a ideologia do conflito que, nos nossos dias, domina a maioria das práticas sociais — a começar pelos telejornais: recentemente, vimos mesmo um ministro a ser obrigado a justificar-se sobre o modo como o seu governo tinha ou não “previsto” enfrentar certas convulsões atmosféricas como os tufões... e, pelos vistos, quase ninguém quer ver que quando chegamos à normalização mediática de tal visão dos governantes (com a disponibilidade de alguns desses governantes para a protagonizar), ficamos todos a perder. Não se trata, entenda-se, de pregar qualquer ecumenismo pateta — trata-se de tentar encontrar os enunciados que possam contrariar essa ideologia, favorecendo verdadeiras práticas, não de conflito, mas de confronto.

* WikiLeaks. Face ao WikiLeaks, o confronto que se desenha é cada vez mais claro:
— há uma ideologia libertária que vê no WikiLeaks a encarnação automática de uma nova idade da transparência;
— há também toda uma pluralidade de dúvidas e hesitações que convergem num ponto essencial: a necessidade de repensar os modelos, práticas e valores do jornalismo face aos novos modos de existência — e, sobretudo, de circulação — da informação.

* Big Brother. Temos assistido, assim, à consolidação de uma tendência ideológica em nada estranha ao triunfo social dos valores (?) impostos pela “big-brotherização” do espaço televisivo. O seu valor central implica uma cruel menorização do jornalista — sendo chocante observar como a classe, em termos gerais, não reage a tal menorização. Assim, o jornalista deixa de ser aquele que inventaria os dados do mundo, que os organiza, selecciona, pensa e divulga. Nada disso (aliás, para muitas mentes, a noção de que informar implica seleccionar é qualquer coisa que arrasta logo a convocação da palavra “censura”, desligada de qualquer esforço mínimo de contextualização histórica): o jornalista é apenas aquele que põe “cá fora” tudo o que lhe aparece pela frente...

* Gargante Funda. Há uma lição pedagógica de um filme americano, hélas!, que condensa exemplarmente, e premonitoriamente, alguns dos dramas com que agora nos confrontamos: abordando o caso Watergate, Os Homens do Presidente (1976), de Alan J. Pakula, constrói-se como um retrato íntimo de um trabalho jornalístico que não se concebe como uma mera câmara de eco de uma qualquer fonte imaculada, mas que lida com essa fonte como um problema, entre muitos outros, inerente à teia de informações em que se movimenta e intervém. Aliás, detalhe com sugestivos ecos simbólicos, no Watergate, a fonte principal tinha um cognome colhido no limitado imaginário da pornografia: “Garganta Funda”. Agora, vivemos um tempo em que quase todos, políticos e jornalistas, nos querem fazer aceitar esse imaginário como coisa natural e redentora. Se resistir a tal formatação das mentes e da vida social é um índice imperialista, tanto pior para os que resistem — em todo o caso, é isso que está em jogo; e tentar pensar isso não significa, em nenhum momento, abdicar do necessário, louvável e sistemático escrutínio de qualquer governo, de qualquer cor política.